terça-feira, 3 de julho de 2012

Amor

Acabei hoje a minha semana de férias. Por estes dias celebraram-se as festas juninas, comemorações em suposta homenagem aos santos, que aqui ganha a conotação de "beber até cair, vai que o mundo acaba amanhã?"


Muito bacana, mas não para mim. Eu quero mais é curtir o marido e os "filhos", os meus únicos amores, os meus filhotes de quatro patas.  São eles que me recebem todos os dias, incondicionalmente, com a alegria de quem vê uma manhã de natal  pela primeira vez, com o entusiasmo quase feroz de quem não vê a luz do dia há muito tempo. São eles que me amam todos os dias, em qualquer circunstância, mesmo no segundo imediatamente a seguir de eu ter brigado ou até gritado com eles. 


Li um dia uma explicação fantástica sobre porque os cachorros vivem menos tempo que nós. Não me lembro das palavras exatas, e não quero plagiar, então vou dizer por palavras minhas. Os cães nascem com a maturidade emocional preparada. Eles não demoram para nos amar, eles nos amam no minuto em que os acolhemos, mesmo sem saberem nossos nomes ou personalidades. Eles nos amam incondicionalmente sem precisarem de motivos. Eles apenas nos amam. E é por isso que morrem mais cedo, porque cumprem sua missão na terra mais rápido que nós. A missão é nos amar. 


É mais ou menos isso e é a mais pura verdade. Por estes dias, passei um momento terrível em minha vida e só tinha os  meus dois cachorros do lado, um Rottweiler de 4 anos chamado Negão e uma Fox Paulistinha de 1 ano chamada Emily. Ambos estavam destinados a ser nossos. Deus os colocou em nossas vidas. Passei por momentos terríveis, de uma dor muito grande. Estava me sentindo perdida e desesperada. Não sabia se chorava, se ficava parada. Estava em estado de semi-choque.


 E num desses momentos, Emily dormia no sofá e Negão estava deitado na porta da sala, que dá para a área. Quando saí do corredor que dá direto para a sala, Negão se virou e olhou para mim. Era estranho, porque ele não estava dormindo e não fiz nenhum barulho fora do normal. Não havia motivo aparente para ele olhar para mim daquela forma. Ficamos olhando um para o outro durante alguns segundos e juro que vi tristeza no seu olhar. Naquele instante, tive a certeza de Deus em minha vida, pois Negão olhou para mim e nunca nenhum olhar foi tão intenso e tão verdadeiro como aquele. Sei que, na minha mente, na minha alma, o ouvi dizer : " Eu sei, eu também estou triste. Eu estou com você". As palavras ainda ecoam na minha cabeça. 


Isso é uma certeza que eu vou levar comigo para o resto da vida. Nesses dias tão tristes, foram eles, dois cachorros que me salvaram. Que lamberam minhas lágrimas, que olharam um para o outro quando eu chorava sem saber o que fazer. Foram eles que não saíram do meu lado, que dormiram lado a lado comigo, que pararam de latir e de brigar porque sabiam que eu estava triste. Sei que Negão acordou várias vezes no meio da noite para olhar para mim, pois é o que ele faz todas as noites. Várias vezes acordo com o focinho molhado dele no meu nariz e sua cabeça grande encostada no meu rosto. E Emily todas as noites me procura para dormir encostada a mim, com frio, enroscadinha no meu pescoço, olhando para mim e lambendo meu rosto. 


Eles são tudo o que eu tenho e são o que de mais puro existe no mundo, eles são o amor. O amor absoluto, impoluto e genuíno, como tem que ser. Livre de preconceitos e medos. Que não tem explicação, apenas É. E Deus os colocou na minha vida, pois Deus também é amor. Obrigado Senhor.



quarta-feira, 16 de maio de 2012

Estações

Bom dia meu povo!!! Andei sumida por uns tempos, não estava nada afim de falar, escrever, expor.... Enfim, há dias assim. 
Bom, o que mudou de lá para cá?? Chegou o Outono (finally!!). Não aguento mais ter uma estação só o ano todo. Porque aqui na Bahia temos CALOR e MENOS CALOR! Nunca temos FRIO, o frio como tem que ser!!!! Sinto falta disso, das estações, do tempo definido e explícito nas cores, nos rostos, nos cheiros. Porque casa estação tem a sua cor, seu cheiro.
 O Verão tem cheiro de mar, de sal. Tem cor amarela e laranja. E é muito gostoso! É a minha estação preferida. Nasci no Verão da Europa (em Julho) mas aqui é Inverno. 
O Outono tem cor castanha e laranja, um laranja mais escuro. Tem cheiro de pão feito na hora, de chuva e terra molhada. É muito gostoso o Outono. 
O inverno tem cor azul e branca e tem cheiro de limpeza. O cheiro do Inverno é muito tênue, quase não se sente, mas é muito gostoso também. 
A Primavera é a mais bonita de todas as estações. Tem cor verde, amarela e rosa. Tem cheiro de flores, de fruta. É a estação da esperança. Em que tudo se renova. 


Sinto falta de poder definir exatamente o tempo em que estou, em que as coisas são certas. Assusta-me e incomoda-me essa coisa de acordar e não saber como vai ser o dia, ou de saber que vai ser exatamente como foi ontem ou como será daqui a um mês. 


Estranho isso. Um estado tão lindo como é a Bahia, tão cheio de mesclas, odores, cores, pessoas, se mantém igual o ano todo. Se torna chato, previsível, repetitivo. 
Queria que houvesse mais da Europa no Brasil e mais do Brasil na Europa. 


Se pegariam as pessoas do Brasil com a sua simpatia e alegria típicas e suas muitas cores e colocaríamos na Europa chata e obsoleta, que bem precisa de uma sacudida. Depois, pegaríamos as pessoas educadas e civilizadas (algumas, infelizmente) da Europa e colocaríamos no Brasil, onde as ruas passariam a andar limpas, as escolas seriam boas e os alunos de fato se tornariam profissionais capacitados. Seria um mundo "ideal". (existe isso?)


Divagações à parte, bem que o mundo precisa de um wake-up call geral! Não sei se Jesus vem antes ou se Ele ainda vai esperar mais um pouco para ver se a gente se liga e começa a limpar as bostas que andamos espalhando pelo planeta... O certo é que isso do jeito que está não pode ficar. Ainda tenho a (vã?) esperança de ter um pouco mais de civismo, educação, etiqueta, bom-senso, tanto no Brasil como em qualquer lugar do mundo, porque a má-criação e a falta de respeito estão se tornando o pão nosso de cada dia no mundo. 


Enquanto espero, vou curtindo um pouquinho de Outono que a Bahia me permite, os raros dias de chuva e de terra molhada. 
É bom aproveitar, porque do jeito que a coisa anda, uma hora dessas não temos mais planeta. 


Um dia bonito e abençoado para todos!!

domingo, 1 de abril de 2012

Páscoa Feliz (?)

Começa amanhã mais uma semana, que vai ser melhor que as outras (espero). Vou trabalhar três dias e descansar por quatro. Vem aí mais uma Páscoa.
Não que me diga algo, na verdade é apenas um pretexto ótimo para ficar em casa sem trabalhar. Não sigo nenhuma crença e as festividades que frequento são, em parte, forçadas e por outro lado uma ótima época para comer bem. A comida é o que me faz participar.
Este ano não vai ser diferente, vou comer bem, ouvir umas histórias de família incrivelmente chatas e comer muito. 
Esta semana preciso que tudo corra bem. Ninguém merece chegar em casa estressado e desapontado. Zangado, ainda por cima! Quero mais que isso, quero curtir o meu descanso da forma que mereço: descansando!
Então, o meu brinde de hoje (com a caipirinha maravilhosa que me acompanha neste momento) é para uma ótima semana!
Feliz Páscoa (a quem couber) e feliz descanso, para mim que o mereço e a todos.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Divagações minhas

Estou assim como que num marasmo por esses dias. Nem sei o que quero, ou talvez saiba, mas é mais fácil fingir que não sei. Sinto-me pouco inspirada, isso é grave! Dificilmente me sinto assim, ou estou inspirada para dizer merda ou estou inspirada para declamar poesia; de qualquer forma, sempre estou inspirada...
Mas estes dias apetece-me ser rica, muito rica e viajar muito. Desaparecer sozinha por uns tempos e ver outras coisas, sentir outros cheiros, provar outras comidas. Quero voltar para onde os meus sonhos estão, para lugares que nunca vi, mas que já visitei muitas e muitas vezes. Apetece-me o frio, o chocolate quente, o croissant com creme doce de ovos, a broa de milho, as ruas cheirosas de pão e chuva. Apetece-me um edredom numa noite de chuva. Apetece-me um gato enroscado nas minhas pernas em uma tarde de trovoada. Apetece-me passear onde ninguém me conhece e onde ninguém me conhecer é tudo o que procuro. Apetece-me ir aos lugares onde não importa quem eu sou, a roupa que visto. Apetece-me ir aos lugares e observar as pessoas, imaginar quem são, de onde são e para onde vão. 
As coisas às vezes são tão óbvias, tão barulhentas. Para quê falar alto ao telefone? Para quê falar da vida para que todos ouçam? Para quê falar coisas que não sabemos sobre pessoas que nunca vimos?
Para quê a mesmice, a inércia, a chatice, o sem-saborismo? É tão melhor ser interessante, conversar com as pessoas que realmente importam. É tão bom dividir risadas, ideias, pensamentos com pessoas que realmente se importam conosco, com o que pensamos e sentimos. 
Detesto o comodismo, a hipocrisia, as relações vazias e falsas. As pessoas estúpidas e incultas que não sabem falar de quase nada, pelo menos nada que acrescente nada ao meu mundo, pelo menos nada de bom. Detesto as pessoas que não sabem e fingem que sabem e as pessoas que sabem e fingem que não sabem, porque assim vão se encaixar melhor nesse ou naquele grupo. Chega, estou farta de tentar me adequar a um lugar onde claramente não pertenço. Chega de fingir que está tudo bem quando obviamente não está. 
Enjoei de fingir que é bom. 
Quero fugir. Aliás, fugir não que eu não fujo, sou orgulhosa demais para isso. Quero apenas sair. Partir. Para qualquer lugar. Como diria José Régio no seu poema : "Não sei para onde vou. Não sei para onde vou. Só sei que não vou por aí."

segunda-feira, 12 de março de 2012

La musique et l'amour

Ela era uma artista, virtuosa, genial, perfeccionista. Teria os seus 60 e tantos anos, embora nunca o houvesse revelado a ninguém. Tinha os cabelos prateados, longos, sempre presos num perfeito coq. Tinha os olhos castanhos dourados e as mãos grandes e finas. Cheirava a malvas e alfazema e tinha um sorriso áspero mas cativante. A voz não era particularmente marcante, um tanto ou quanto esganiçada por vezes. Não era nada de glamouroso, mas se percebia ao olhar para ela que havia sido uma mulher imponente. Era muito alta e magra. 


Sabia-se muito pouco de sua vida pessoal. Havia sido aluna do Colégio Francês, onde se destacou como a melhor aluna. Sabia falar fluentemente 6 línguas: francês, inglês, italiano, espanhol, russo e alemão. Era uma aluna exemplar, acostumada aos requintes da alta sociedade paulistana, onde perambulava pelos bailes beneficentes dados por seus pais, os conservadores condes de Canabrava. 


Sua maior paixão era a música. Prodigiosa desde tenra idade, amava com feroz paixão o piano. Tocava melhor que Mozart, queria ser uma artista. Tinha que ser uma artista! Mas os pais caducos e entediantes cedo deceparam as esperanças de Theresa Teixeira de Canabrava, a estranha filha.
 Filha única, Thereza cansara-se de sua vida fútil e de seus pais retrógrados com seus valores obsoletos. Foi então que decidiu anunciar, em seu 18º aniversário, que seguiria a carreira de pianista. Mas que diabo! Era aluna de Madame de Bouvarie, uma velha senhora que lhe ensinara alguns acordes ao piano, mas pianista? Que afronta! Os velhos condes, claro, recusaram. Ameaçaram até deserdar a pobre moça, que não teve outra opção senão sair de casa. Assim o fez, indo morar na casa de Tia Magda, uma bondosa viúva, amante das artes e dos prazeres da vida. 


Em casa de Tia Magda, Theresa aprendeu a cantar, a receber os convidados da velha titia e principalmente desenvolveu sua bela arte. A tia, rica e sozinha, fazia-lhe os gostos, comprando-lhe seu primeiro piano de cauda. Um lindíssimo e legítimo Bechstein, que pertencera ao sobrinho de Beethoven. 


Theresa era feliz em casa de Tia Magda, mas estava com 30 anos e era solteira. A tia estava com os pés para a cova e a moça não podia ficar sozinha, até porque não sobreviveria como aluna de piano, teria que mostrar seu talento ao mundo. 


Um belo dia de Outono a Tia Magda se foi. A chorosa Theresa decidiu que estava na hora de casar. Assim foi à procura de pretendentes. Suas pretensões não eram grandes: queria um homem rico com amor às artes.   Assim descobriu, em uma festa beneficente de uma prima, Pedro Afonso Cunha e Spencer, um riquíssimo empresário do ramo petrolífero, solteiro, desajeitado, quarentão e muito culto. Gostava de comer bem, beber melhor, e de música. Theresa achou assim seu patrono. Com poucos meses, estavam casados. 


Passaram-se os anos e eles não tiveram filhos. Nunca foi essa a pretensão de Theresa, e muito menos de Pedro Spencer. A senhora Spencer era agora uma respeitada artista e professora de piano. Seu marido havia lhe oferecido, por ocasião de seu 50º aniversário, dois pianos de cauda lindíssimos, um para cada salão da imensa casa. Assim, Theresa era agora, aos 60 e alguns anos, a orgulhosa proprietária de 3 belíssimos exemplares do que de melhor se fez em instrumentação clássica. 


Passava os dias tocando, ensinando, amando cada tecla de seu piano, cada ressonância entrando na sua alma e no seu corpo, como se uma carícia a percorresse. Chorava sempre que tocava uma ária de Verdi, ou uma das sinfonias de Beethoven. Compôs muitas músicas, também. Era prolífica e incrivelmente talentosa. 


Foi então que Theresa descobriu aquele que ela amaria tanto quanto seu piano. O seu melhor aluno era um jovem garboso, másculo. Chamava-se Eduardo Cortês e era filho de família modesta. Os pais pagavam-lhe as aulas de piano com o esforço mais sobre-humano possível, mas sabiam que Eduardo amava cada momento que passava ao piano. Ele estudava Belas-Artes com uma bolsa integral e era um aluno superdotado. Estudava muito, se dedicava mais ainda e acreditava um dia ser o melhor pianista do Brasil e quiçá, do mundo. 


Era alto, de pele clara e cabelo preto. Tinha os olhos castanhos da cor da nogueira e o rosto simétrico, de uma beleza grega. Era alto, musculoso, e de sorriso fácil. Sua voz era suave, mas confiante e olhava Theresa como nenhum outro homem havia feito. Cheirava a colônia e a juventude e Theresa secretamente o desejava. Eduardo a desejava de igual modo, mas a respeitava e admirava demasiado para sequer pensar em tal ousadia. 


Certa vez, estava Theresa ao piano tocando "Gymnopédie nº1", de Satie, quando Eduardo entrou pela enorme porta de carvalho do gigantesco salão e se pôs a ouvir. Era a visão mais bela que já havia visto, suas mãos maduras e femininas abraçavam o piano com a paixão que ele sentia arder dentro do peito. Seu corpo dançava ao som da música e Eduardo a desejava mais e mais. Seria amor,paixão? Ou apenas respeito e admiração? Que dúvida cruel!
 Eduardo sabia que nenhuma mulher no mundo jamais havia despertado nele sensações tão fortes. Era inebriante o cheiro de alfazema saindo do corpo de Theresa, que agora deixara cair seu belo coq e deixara descobrir um cabelo longo e liso. Eduardo não podia mais conter seu desejo e correu para a porta, desnorteado. Theresa parou abruptamente de tocar e foi até ele.


"- Eduardo? O que aconteceu? Porque foge?"
"- Porque me tortura, Senhora Spencer?? Sabe que a amo, que a desejo e não a posso ter!"
Theresa corou. Sentiu dentro de seu ser uma alegria imensa, transbordante, que só seu piano lhe proporcionara. E pela primeira vez, se sentiu mulher.
 Ali estavam seus dois amores, o seu piano tão querido e o homem jovem e virtuoso que a amava. O que fazer?
 Afinal, era uma mulher casada. Seu marido, Pedro Spencer, não partilhava com ela seu amor pela música. Não estava em casa muito frequentemente e quase nunca perguntava de sua música.
 Mas Eduardo, ah, Eduardo! Ele a desejava, pois sabia do amor que nutria pela música. Ele a amava por tudo que ela lhe ensinara. Eles se amavam porque sim. O amor tem razões que a própria razão desconhece. E por vezes só a música o consegue decifrar.
 Foi então que Eduardo, levado por um ímpeto animal, segurou Theresa firmemente na cintura e a levou perto de seus lábios. Ela estremeceu, quase desfalecendo, num arrepio delicioso de prazer e entrega. Ele, já despojado de vergonha e preconceito, disse com voz doce e quente: 
"Theresa, on va faire de l'amour!"
"Oui, mon chère Eduardo!"- disse Theresa, numa voz doce e estremecida por uma lágrima que rolou por seu rosto, "- Mais on va changer de piano!"

quarta-feira, 7 de março de 2012

Sair de mim uma só vez

Meio "assim-assim" hoje. Sei lá, estou bem, mas estou inquieta também, ansiosa talvez.... Queria partir em uma grande viagem, por muitos meses. Queria voltar à Europa, ver as cidades que já visitei, conhecer outras... Estou me sentindo"'amarrada" estes dias, como que presa a alguma coisa. Estou sentindo falta do meu mojo. Me falta um brilho, uma vontade. Não sei se é tédio, saudade, inadaptação. Falta alguma coisa, isso é certo. Excitação, é isso.   Falta sentir o frio na barriga, o nervoso miudinho nas pernas, a agitação boa de estar em um lugar e me sentir parte dele. É muito bom ter um pouso, um ninho, uma certeza de um lugar e da segurança que ele proporciona. Mas eu queria voar, sair, conhecer, fazer, experimentar. Viver uma vez só sem medo, sem muleta. Queria partir por aí e desbravar lugares, pessoas, sensações. Queria sentir, só isso.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Lembranças da minha vida

Hoje estou um pouco mais gray do que pink. A vida às vezes é assim, principalmente quando tudo vai bem, quando estamos numa "maré" de sorte, em que parece que tudo vai dar certo, estamos super confiantes, os dias passam rapidamente, o trabalho alegra a alma, enfim... Mas depois parece que muitas coisas ruins acontecem todas de uma vez. Já lá diz o ditado português: "Uma desgraça nunca vem só". Fica feio dizer "desgraça" no Brasil, porque remete ao "coisa ruim", mas o nome significa o mesmo aqui ou em Portugal: coisa triste, problema, situação muito difícil. 


Fiquei sem a minha avó paterna este Sábado, dia 03. Estava com 90 anos e era a mãe do meu pai. Lembro-me bem dela e principalmente de sua risada. Estes dias, sem razão nenhuma, lembrei-me da risada dela. Era estridente, aguda, exagerada, sincera e quente.


 Ela era uma mulher extraordinária. Casou com o meu avô por amor, o que na época não era muito usado. Eram primos, distantes mas ainda assim primos. Isso era comum. O meu avô era um homem rude, muito bruto e infiel. A infidelidade era comum na época, os casais se casavam para poder tirar as moças de casa, que só faziam os pais gastar dinheiro. E os filhos vinham porque eram mais uma fonte de renda. Quantas vezes ouvi histórias de todos os meus avós sobre a infância árdua nos campos, a pobreza extrema, a falta de luxo e a responsabilidade cruel e prematura que eles sofreram.


 O meu avô paterno era órfão. Todos morriam de pena do pobre José Maria, que perdeu a mão ainda menino e cujo pai parece que sumiu. Já não lembro se morreu ainda jovem. Parece que o meu pai me contou que o meu avô era filho bastardo. Seja como for, as pessoas tinham muita pena dele, um menino loirinho de olhos verdes. Era um bom menino e parece que havia um ricaço na aldeia que o acolheu. Cresceu bonito, alto, garboso. Era um mulherengo.


 Se apaixonou por minha avó, porque ela era morena, meio índia, meio marroquina. Pelo menos era assim que parecia, porque na região dos meus avós, haviam morado os árabes, os mouros que invadiram a Península Ibérica (Portugal e Espanha) e lá se fixaram por muitos e muitos anos. Daí a cor escura dos portugueses do sul e dos espanhóis. 


A minha avó era lindíssima. Por qualquer motivo, ela se casou com o meu avô. Sei que ela o amava, pois vi muitas fotos dela na época em que ele a cortejava, onde ela deixou lindas dedicatórias. Ele a chamava de Tina e ela o chamava de Zé Maria. (Clementina era o nome dela).


Casaram nem sei em que ano, talvez em 1942 ou 43. Tiveram dois filhos, o meu pai e a minha tia. Pelo menos a minha avó teve dois filhos, o meu avô provavelmente um pouco mais, pois foi infiel a vida toda. Às vezes chegou a ser violento com a minha avó, ou assim parece.


 Em determinada altura, os meus avós moraram em Angola (antiga colônia portuguesa) e por lá o meu avô se "amancebou" com uma mulher da cidade. Era visível para todos quantos passassem, pois ele não fazia qualquer questão de esconder. Passeava com ela de carro para cima e para baixo como se nada fosse. É claro que não se agarrava aos beijos, até porque não se usava naquela época, mas as pessoas não eram estúpidas, era óbvio que eram amantes. Um ano e tanto depois, começaram a aparecer com um menino de colo loiro e de olhos claros. Minha avó sempre desconfiou que era um filho bastardo. Se era ou não nunca ninguém soube, só se soube que ele saiu com ela durante muito tempo. 


Os anos passaram e na década de 70 os meus avós voltaram a Portugal, onde se fixaram na aldeiazinha onde foram criados. construíram uma casinha e lá ficaram. O meu avô em jovem era mecânico e "chauffer", que naquela época era muito chique. Havia um médico numa cidade vizinha que era muito amigo do meu avô, gostava muito dele e só deixava o meu avô dirigir seu carro. Fizeram amizade e quando o bom doutor foi para Angola, pediu que meu avô fosse também. Assim foram a minha avó e seus dois filhos. É claro que nunca ganhou bem, mas havia um certo status ser o chauffer do senhor doutor. 


De volta a Portugal, eles viviam da agricultura, de uma pensão medíocre e da terra. Passei quase todos os fins de semana da minha infância na casa deles, que ficava a uns 20 km da minha. Íamos lá aos Sábados à tarde. O meu avô comigo era muito doce, muito meigo. Sempre me lembrei dele como um homem amigo. Para o meu pai era diferente, quando cresci ele me contou a "peça" que meu avô era. Mas eu gostava do meu avô. Ele era um homem muito lindo, muito alto, de cabelo prateado impecavelmente penteado e de olhos verdes. Tinha um sorriso lindíssimo e uma voz forte. Brincava comigo, me levava a conhecer todos os vizinhos, me mostrava todas as árvores que tinha no pomar, me dizia o nome de todas as plantas. Era alguém de quem sempre gostei. Quando eu tinha 12 anos ele morreu. Fiquei triste, mas a vida continuou.  A minha avó estava sozinha pela primeira vez,depois de 50 e tantos anos. Ela reagiu muito bem, mas percebemos que envelheceu rapidamente, ficou mais vulnerável, o mal de Parkinson apareceu, assim como outras "mazelas". 


Os anos passaram e em meados dos anos 2000, a minha tia a levou para morar com ela em outra cidade. Já estava claro que a minha avó precisava de assistência, além de companhia. A casa foi posta à venda (mas ainda está á espera de resolver pendências burocráticas) e ela viveu os últimos anos de sua vida com a filha, os netos e muitos bisnetos. Morreu feliz, e acho que assim viveu. Nunca a ouvi reclamar, só a vi chorar uma vez, porque discutiu com a cunhada. Era muito amiga de todos os netos e sempre se lembrava de todos.


 Sempre que vinha visitar, trazia um pão-de-ló que ela mesma fazia (e que nunca aprendeu a medir, toda vida fez "a olho") e que era uma delícia. O bolo mais simples do mundo, mas nunca comi bolo tão bom quanto o dela. E sempre que comi outros pães-de-ló, nenhum nunca teve o mesmo gosto que o dela. Era incrível como o cheiro da casa dela, da cozinha dela, estava sempre presente em cada coisa que ela cozinhava para nós.


 Cozinhava muito bem, a comida era muitíssimo bem temperada e ela sempre fazia questão de dizer que não tinha feito com medidas, era tudo "a olho" como ela dizia. Seguia-se então a deliciosa gargalhada estridente, como se ela dissesse que o importante da comida estava lá, o amor e a consideração que ela tinha depositado nela, pois havia feito especialmente para nós. Nunca se sentiu inferior a ninguém por ter nascido no campo, por não ter estudado. Era muito feliz por ser uma dona de casa, mãe, avó, amiga. Era uma mulher realmente extraordinária. 


Como minha tia me disse ontem ao telefone, a minha avó nos deu muito, a todos nós. Muitas vezes, curiosamente, sonho com a casa dela, com o caminho de terra que conheço como a palma da minha mão, com o cheiro de roupa lavada e com a imagem dela, pequenina e de cabelo prateado, na porta de casa esperando a gente ou acenando quando íamos embora. Vou ter saudades dela.Espero ser tão boa para os meus netos e filhos como ela foi para nós.