E depois da folia??

Andamos cheios de alegria por aqui na Bahia... Aliás, sempre estamos!! É raríssimo ver um baiano triste, ou mal-humorado... Acho que está no sangue já, fruto da herança africana. Mas uma coisa é alegria, outra coisa é exagero. Vivemos mais uma vez o Carnaval por estes dias. Tradição antiquíssima (e não brasileira, ao contrário do que muitos pensam) em que o deboche, a brincadeira, a alegria rolam soltos e andam lado a lado. Esse deveria ser o espírito do Carnaval, mas infelizmente hoje ele é sinônimo de sexo fácil, promiscuidade, consumo de álcool desmedido e, muito sinceramente, de "pagação de mico"! 


É claro que se festeja esta data em muitos países, é claro que existe álcool e sexo nesses países, é evidente que as "bagaceiras" acontecem do mesmo jeito. Mas a mim, que estou na Bahia, me parece que aqui é um pouco demais. Posso estar enganada, pois também acho um desperdício de dinheiro o Carnaval do Rio e de São Paulo, todos aqueles trios elétricos, aquelas roupas francamente cafonas e aquela pompa toda na hora da votação das melhores escolas de samba. 


É lógico que isto é uma tradição antiga e há que respeitar as tradições, pois elas fazem parte da cultura dos países em que se celebram e não digo que não se festejem as datas comemorativas; só peço que haja um pouco mais de decoro e principalmente mais inteligência do povão, que é quem pede estas datas e se mata um ano inteiro para chegar a Fevereiro cheio de dinheiro para gastar. 


Assisti esses dias a um vídeo de uma repórter de Pernambuco se não estou em erro, em que ela falava justamente sobre isso: a falta de noção das pessoas que pulam o Carnaval, mas que nem param para pensar que esta é apenas mais uma forma de encher o bolso dos muito ricos, enquanto os muito pobres continuam muito pobres. Ela falava por exemplo, que no Carnaval existem dezenas de ambulâncias disponíveis para os "bêbados de plantão" (assim ela os chamou) que beberam porque quiseram, porque não tiveram responsabilidade. O que fazer nesses casos?? Deixar esses seres humanos sem assistência? Não. São pessoas, merecem um atendimento médico, mas não deixa de ser uma palhaçada que esses bêbados ocupem o lugar em uma ambulância de pessoas que realmente precisam, como mães e seus filhos doentes, idosos que não podem se locomover até um hospital, e outros brasileiros entregues ao descaso da saúde brasileira. 


E os policiais??? Milhares são destacados para o Carnaval. Porquê? Porque o brasileiro ( e o ser humano em geral) pouco evoluiu desde a época do Neenderthal, em que matava por questões de território, para comer, para pegar a moça bonita primeiro que o rival. Somos ainda homens das cavernas,mas temos tecnologia. 


Este país está entregue aos gananciosos, aos corruptos, aos ambiciosos. E nunca vai mudar. Todos os anos se fala a mesma coisa, todos os dias passam as mesmas notícias no jornal: descaso na saúde pública, na educação, jovens entregues às drogas, filhos batendo em pais, pais matando filhos, maridos traindo mulheres, mulheres traindo maridos.... Até quando isso?? Até quando o povo brasileiro vai ficar dependendo de Carnaval e de tantos outros pretextos para fingir que vive? Até quando vamos continuar votando nas mesmas pessoas, admitindo as mesmas injustiças???


 O Brasil precisa de gente inteligente, alfabetizada, consciente. Não de mais estudantes "universitários". Tem por aí gato e cachorro fazendo faculdade que não sabe falar português, que se acha intelectual e abre a boca para falar clichês e lugares comuns. Tem médico que fica dormindo no hospital, em dia de plantão, enquanto os pacientes estão sentados num banquinho sujo e fedido à espera de ajuda, de alívio, de uma palavra amiga. Se fala com as pessoas de qualquer jeito, não se dá um "bom dia" sincero, se fala com as pessoas com discursos prontos e frases feitas. 


O Brasil é, sempre foi, e temo que sempre será um país de "terceiro mundo". Não por motivos econômicos, porque temos capacidade para receber uma Copa de futebol. Mas por motivos sociais. Sempre vamos ser ridicularizados lá fora, nos países de "primeiro mundo", porque a única coisa em que somos bons, em que nunca desapontamos, em que somos mestres e temos orgulho é em sermos alegres, felizes, festeiros. E enquanto continuar assim, sem escolas decentes, sem ensino público de qualidade, nada vai mudar. 


O Brasil é dos poucos países do mundo em que a escola é paga. Que absurdo. Pegue uma escola muito boa do Brasil, particular é claro. Qualquer escola na Europa, pública (como são quase todas) ,dá de dez a zero na particular nossa. Os professores são mais inteligentes? Não. Mas se leva a vida a sério. O futuro. Porque quando a crise aperta, não tem Carnaval certo para matar a fome, para pagar as contas.


 Mas aqui diz-se que não, o Carnaval não deixa ninguém mais pobre. Mas neguinho que pula Carnaval (a maioria pelo menos) mora de aluguel, anda de carro novo só para aparecer mas não tem dinheiro no banco para comprar uma casa. Mas ninguém se importa. Se houver cerveja, povo bonito, tá tudo certo. Mas nem todos os meninos e meninas podem frequentar aquela escola particular tão boa. Muitos e muitos aprendem a falar errado, não têm noção de disciplina e nunca terão um futuro digno. A maioria vira bandido, vagabundo.


 E eu tenho muita pena, mesmo sabendo que esse vagabundo vai roubar, matar, estuprar. E sei que ele tem que ser punido, tem que pagar. Mas eu tenho pena, pois onde há hoje um bandido, já houve uma criança. E não me venham dizer que ele não é um ser humano. Em algum momento da vida dele, ele já sonhou, já viu sua vida muito bonita e colorida lá na frente. Claro que se desvirtuou em parte porque quis, escolheu. Mas se a vida que ele teve foi tão feia, tão triste, quais as chances de ele se tornar um ser humano bom? Mínimas, porque ninguém apostou nele. 


Então o que falta é menos dinheiro gasto no Carnaval e mais dinheiro investido em ensino de qualidade, escolas gratuitas para todos, professores capacitados, hospitais limpos, desinfectados, médicos capazes, enfermeiros qualificados, pessoas boas e inteligentes para tocar a bola para a frente. Porque do jeito que está, não pode continuar. Abolir o Carnaval não vai mudar nada, e nem digo que o façam. Mas sejam mais responsáveis, os que organizam e os que apoiam e contribuem para a péssima distribuição de dinheiro.